Catar feijão parece um simples ato, mas não é.
Para mim, catar feijão é algo extremamente complexo.
Especialmente se o faço só.

Como no ato da escrita, catar feijão me entorpece.
E é um entorpecimento bom,
Daqueles que não me distraem, mas me mantém atenta ao ato em si.

A famosa atenção plena eu consigo ao catar feijão,
Mas como em qualquer meditação,
Mesmo dos mais experientes,
A mente vaga para longe de tanta atenção ao feijão.

Vaga, mas volta,
Vaga e volta!

Não dá pra ser simples sendo complexo.
E só isso já é motivo para que, quando cato feijão,
Eu pense em pessoas.

Pessoas podres,
Pessoas secas,
Pessoas imperfeitas.
E todas,
Olhadas de longe,
Passam-se por seres humanos comuns.

Mas o que é um ser humano comum?
E o que é um feijão comum?
Nenhum desses seres,
Humanos ou da família das leguminosas,
Há de conter em si qualquer perfeição.

São belos, sem dúvida,
Mas a vida em si os fazem imperfeitos por si mesmos.

E como é triste catar o seco sofrido,
O destroçado em acidente,
O dominado por bicho.
Como é triste catar feijão e pensar em gente!

Gente que há de achar-se escondida,
E infiltrada,
Entre as beldades requisitadas,
Está a mais danosa de todas.

E como eu, tão singular em minhas imperfeições,
Consigo destreza para perceber qual dos grãos me trará malefícios?
Não possuo tal poder!
Que pertence à natureza
E a mais ninguém!

Minha natureza, porém,
Fica em imaginar a beleza da vida perfeita e impossível.
Cato meu feijão, por vezes, entretida em perceber apenas as diferenças de cores, de texturas, de olhares,
Fico ali inebriada por ser capaz de não desprezar sequer um grão,
Tirando dali apenas pedra e farpa,
Construindo aceitação.